Tamara Caetano
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Apesar do frio em Santos, o último dia da primeira fase da 14ª Festa do Livro, promovida pela OSC Concidadania, reuniu um público animado e participativo, encerrando a etapa inicial do evento com atividades que aqueceram corações e mentes.
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Manhã poética e olhar sobre a cidade
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A programação começou com uma oficina de haicai, gênero poético de origem japonesa, ministrada por Daniel Morine. Logo depois, foi exibido o documentário Experímetro, que apresenta a visão do pedestre por meio de imagens urbanas com intervenções gráficas e um monólogo narrado por Ruy Sora Rodriguez, refletindo sobre pensamentos que surgem durante caminhadas pela cidade.
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Mesas literárias e lançamentos
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Durante a tarde, o destaque foi o lançamento do livro É coisa de negro, sim senhor!, do compositor, violonista, cantor, professor e escritor Paulo Cézhar Luz. Além de apresentar a obra, o autor participou da mesa literária Teatro das Palavras, ao lado de Mário Bortoloto e Paulo Ongaro, com mediação do cartunista Seri.
O debate abordou temas como o processo criativo, adaptações literárias para teatro e audiovisual e a questão: a partir de que momento um escritor passa a se considerar escritor?
Após a roda de conversa, que contou com interação do público, Paulo Cézhar fez uma apresentação musical interpretando poemas de seu livro. Ele contou que a obra nasceu em 2023, inspirada pelo podcast Projeto Querino, apresentado pelo jornalista Tiago Rogero, que narra a trajetória dos negros na história do Brasil sob uma perspectiva afrocentrada.
“Eu comecei a escrever em 2023, relatando minha vivência como homem negro após ouvir o Projeto Querino. É um ensaio em que comento várias situações relativas ao negro no Brasil”, explicou.
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Poesia e conexões literárias
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O público também acompanhou a leitura de trechos do livro O Oceano em Mim, da jornalista e escritora Eunice Tomé. A obra reúne 59 poemas inspirados na relação da autora com o mar. Ao lado da escritora Clara Sznifer, Eunice mesclou seus versos com trechos de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.
Segundo Eunice, a conexão com a epopeia camoniana foi apontada por Clara e surgiu de forma inconsciente:
“Tudo que a gente estuda fica. Eu estudei Camões no colegial e na universidade. Achamos que não influencia, mas está lá e flui. Por isso a leitura e os estudos são tão importantes, pois permanecem para sempre.”
Ela também avaliou a primeira etapa da Festa do Livro para Santos:
“Foi um sucesso, bem diversificada. Agosto é um mês para fortalecer a literatura na cidade.”
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Literatura e cidadania
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O escritor Welington Liberato leu o conto São Machado de Assis, do livro Hotel Albany (2003), disponível para empréstimo na biblioteca da OSC Concidadania.
Em seguida, aconteceu a mesa literária A importância da leitura, do livro, da literatura e das bibliotecas na formação cidadã, promovida pela União Brasileira de Escritores (UBE), com participação dos vice-presidentes Paulo Mauá e Ricardo Fernandez, do autor Marcos Kirst e das autoras Ana Lúcia, Eunice Tomé e Vanessa Ratton.
O debate tratou de temas como a descoberta de novos escritores, os desafios do mercado literário e a literatura no ambiente escolar. Para Paulo Mauá, a presença da UBE na festa é fundamental:
“Quando uma entidade de escritores participa de uma festa do livro, é como jogar uma formiga dentro do açucareiro. Eu acho fundamental UBE e a gente fez justamente essa conversa, nos apresentamos, mostramos a dificuldade que se tem no mercado e falamos sobre a necessidade de leitura, de mediação, de intervenção política que precisamos ter no município para que a leitura seja divulgada, a leitura seja expandida para a gente ter um mundo melhor e uma democracia em termos de cultura”.
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Vozes indígenas
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A programação se encerrou com a mesa Mulherio das Letras Indígena, com mediação de Fabi Mesquita e participação das autoras Vanessa Ratton e Adrienne Yuqueri Savazoni.
Adrienne, autora do livro Yuquery, nasceu e cresceu no Parque do Juquery, local que abrigou o Complexo Hospitalar do Juquery. Sua obra remete à flora local e reforça a relação com o cerrado, espaço de memória e ancestralidade. Ela ressaltou a importância de diferenciar literatura indígena de produções feitas sob a ótica não indígena.““A literatura que era escrita por brancos não era literatura indigena, era literatura sobre os indigenas ou literatura sobre os negros sob o olhar branco, temos por exemplo a carta de Pero Vaz de Caminha, no qual ele faz um relato quase literário daquilo que ele vê, mas é a visão dele”, explica a autora. “A gente sempre tem que pontuar isso, é a visão do europeu sobre aquela recente terra que ele está vendo, é diferente quando você dá a voz para os povos originários e quando eles resolvem escrever sua própria história”, finaliza.
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Participação especial da comunidade
Arte, afeto e presença estudantil aqueceram a festa
Alunos da Biblioteca Comunitária Vila dos Criadores, projeto da OSC Concidadania, também participaram da festa. Eles frequentaram as mesas literárias, expuseram trabalhos artesanais feitos nas oficinas de artesanato e bordado oferecidas pela biblioteca e distribuíram corações confeccionados por eles, em referência à Ação do Coração, realizada no último domingo (03).
Encerramento e próximas etapas
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O último encontro trouxe reflexões sobre o apagamento histórico dos povos originários e encerrou a primeira fase da 14ª Festa do Livro. As próximas etapas do evento serão divulgadas em breve nas redes sociais da OSC Concidadania.
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